Com prazo até o fim deste ano para criar um novo aterro sanitário, a prefeitura construiu a nova estrutura sobre uma nascente de igarapé
O ramal bem pavimentado sinaliza a presença da fauna silvestre. Ao longo do percurso, as placas pedem para os motoristas reduzirem a velocidade, o motivo? "Aqui é casa do sauim-de-coleira" e pede "respeite a nossa natureza". É justamente os riscos de danos ambientais que movimentaram ações do legislativo e do judiciário entorno da construção do novo aterro sanitário de Manaus, que ganhou evidência na última semana.
Localizado no ramal Itaúba, no km 13 da BR-174, no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus, o novo aterro sanitário foi construído pela EcoManaus Ambiental S.A, administrada pela Marquise Ambiental, e levanta polêmica pela proximidade com o Igarapé do Leão. A reportagem de A CRÍTICA esteve no local e constatou a morte de um dos braços do igarapé que cortava a propriedade e agora é apenas algumas poças de lama.
Autorizado pelo Ipaam
O aterro sanitário da Marquise Ambiental teve a instalação autorizada em 2021 pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). No documento assinado pela diretora técnica, Maria do Carmo Neves dos Santos, em exercício da presidência, e o gerente Eduardo White, em exercício da diretoria técnica, classifica a obra com um grande potencial poluidor.
No Relatório de Impacto Ambiental (Rima) entregue pela Marquise ao Ipaam, onde consta de forma mais simplificada do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), no entanto, os possíveis danos à bacia hidrográfica da região do Tarumã são subestimados.
Na parte do documento que trata sobre os recursos hídricos da área, por exemplo, o relatório possui somente duas linhas onde cita que "na área em estudo existe um pequeno igarapé que corta a propriedade de norte a sul".
Imagens
Nas imagens de satélite anexadas ao Rima, porém, é possível ver a proximidade de outros cursos d’água, em especial o Igarapé do Leão, que fica acerca de 100 metros da área onde está sendo construído o empreendimento. Além do risco do chorume resultante da decomposição dos resíduos podem resultar na poluição dos mananciais superficiais e subterrâneos.
As imagens de drone captadas por A CRÍTICA constatam que uma das nascentes do igarapé que passava por dentro do terreno não existe mais, risco já previsto no projeto entregue ao Ipaam.
O que antes foi um igarapé de água potável, hoje só aparece um parte, poluída e tomada por lama (Foto: Márcio Silva)
“O descobrimento do solo contribuirá para o aumento do processo de erosão do solo, resultando no arraste do mesmo para as partes mais baixas, podendo causar o assoreamento dos recursos hídricos existentes na área (riacho e Igarapé Leão)”, diz um trecho do Rima entregue pela Marquise.
A presença de animais também foi minimizada no documento apresentando para os órgãos ambientais. Foi constatada a presença de 30 espécies de aves, 4 espécies de anfíbios, 15 espécies de répteis, 11 espécies de peixe e 18 espécies de mamíferos.
Apesar de afirmar que não existem no local espécies ameaçadas de extinção, no Rima é citado o relato dos moradores sobre a presença de sauim-de-manaus (sauim-de-coleira), uma dos animais mais ameaçados da fauna brasileira e que existe somente no Amazonas.
Placa anuncia a presença do sauim-de-manaus, espécie em grau severo de extinção encontrada somente no Amazonas e que com o novo aterro sanitário, estão com a vida em risco (Foto: Márcio Silva)
Atual aterro sanitário
Problema antigo da capital, o descarte de resíduos é feito atualmente no aterro controlado, localizado no km 19 da rodovia AM-010. Ainda em 2021, a prefeitura, já sob comando do prefeito David Almeida (Avante), indicou que o local de 75 hectares teria apenas 3 anos de vida útil e eram estudadas duas alternativas: a ampliação do aterro atual ou a construção de um novo para descarte do lixo.
A segunda alternativa foi forçada em virtude de uma decisão do último dia 16 de agosto do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). A Corte deu prazo de 45 dias para a prefeitura migrar a operação do aterro alegando que “há clara contaminação nos arredores e recursos hídricos da região”.
Outros locais
O projeto inicial da Marquise considerava cinco possíveis regiões da BR-174 para a construção do aterro: próximo ao ramal da pedreira; próximo à termoelétrica e ao presídio estadual; em frente ao ramal da Pedreira; ou na Fazenda Ecológica. A área escolhida possui 142,28 hectares e tem vida útil de 15 anos.
CMM ouvirá Ipaam e Semmas
Na última quarta-feira (23/08), a Câmara Municipal de Manaus (CMM), aprovou um requerimento para convocar o presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Juliano Valente, o presidente da Secretaria de Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), Antônio Stroski e o secretário Municipal de Limpeza Pública, Sabbá Reis.
Segundo o presidente da Casa e autor do requerimento, Caio André (Podemos), eles devem comparecer a CMM já nesta segunda-feira para esclarecer pontos sobre a licença ambiental concedida para a construção do aterro e da permissão para asfaltamento e supressão vegetal do ramal.
O vereador afirmou que não há conhecimento por parte do parlamento sobre a consulta à comunidade local. Ele espera que as autoridades possam prestar os devidos esclarecimentos e caso isso não ocorra, disse que irá efetuar uma representação ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM).
“Nós descobrimos através de denúncias. O vereador Lissandro [Breval] trouxe isso à baila novamente, mas lá atrás, em 2021, o vereador Kennedy [Marques] já tinha denunciado. Agora eles estão construindo. Saiu a licença agora em maio e agora estamos buscamos esclarecimentos para evitar esse dano irreparável para o meio ambiente”, afirmou Caio André ao reforçar que a localidade se trata de uma Área de Proteção Ambietal (APA).
‘E não mexeu só nas águas’
Casas, condomínios, sítios, comunidades e balneários estão no entorno do Igarapé do Leão. Desde de 2021, denúncias chegam às autoridades ao relatar a mudança na coloração e aspecto da água desde o início das obras do aterro sanitário. Relatos inclusive citados pelo Ministério Púb lico de Contas (MPC).
Quem vê essa realidade de perto e teme as consequências de possíveis danos ambientais é o cozinheiro Fernando Ribeiro, 36 anos, que trabalha em um balneário às margens o Igarapé do Leão.
“Eu trabalho nessa região. Moro no KM 4. Quando eu cheguei aqui, há um ano, eu fui contratado por uma empresa e via muitas obras aí para dentro [da área de mata], mas não sabia o que era. Eu fui saber realmente que era um lixão uns três ou quatro meses depois do início das obras, mas eu achava que seria um espaço fora dessas águas. E não mexeu só nas águas, mas tambem numa parte da floresta. Foi muita derrubada de árvore para poder construir. Acho que deveria ter outros locais para construir esse lixão. No momento que as pessoas souberem de uma situação dessa vai prejudicar não só aqui onde eu trabalho, mas também outros empresários, principalmente a população que mora aqui na comunidade próxima que depende do rio”, disse.
Órgão descarta irregularidade
Em nota, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) esclareceu que a construção e liberação do Licenciamento Ambiental do aterro sanitário da empresa EcoManaus está em processo há 14 anos e que, durante esse período, todos os aspectos ambientais legais exigidos foram monitorados e tiveram sua execução acompanhada por este órgão ambiental.
“O Ipaam esclarece, ainda, que o empreendimento passou por todo rito do licenciamento ambiental EIA/RIMA, audiência pública e análises, respondeu aos diversos questionamentos dos Ministério Públicos, federal, estadual e de Contas/TCE além de várias intervenções deste órgão até o início das obras. O projeto, que está licenciado, apresenta relatórios de auto monitoramento periódico e atualmente se encontra com sua infraestrutura operacional em fase de conclusão”, diz um trecho da nota.
O Ipaam destacou ainda que o empreendimento é o primeiro e único aterro sanitário totalmente dentro dos parâmetros estabelecidos pelas leis ambientais do país no Estado do Amazonas e qualquer suposição de irregularidade na sua construção ou atividade é descartada pelo órgão.
A Marquise Ambiental também se pronunciou por meio de nota. Afirmou que o aterro sanitário da Ecomanaus foi construído com as mais modernas tecnologias existentes no mundo e está apto e preparado a atender a necessidade de destinação de resíduos sólidos públicos e privados de Manaus e do Estado do Amazonas, cumprindo todas as exigências legais e ambientais.
Imagens de drone mostram igarapé que foi totalmente assoreado com a construção do novo aterro sanitário (Fotos: Márcio Silva e Divulgação)
Fonte: Giovanna Marinho/giovanna@acritica.com