Qual tragédia precisa ser concretizada para nos colocars no rumo da prevenção e da conservação da natureza?
Os números traduzem dramas da seca no Amazonas: 125 botos mortos e milhares de ribeirinhos sem água pra navegar, semear e beber. As fotografias expõem realidades fragmentadas de seres vivos solapados. Perguntas permanecem sem respostas. O que falta acontecer para a compreensão mais ampla da mensagem? Qual tragédia precisa ser concretizada para colocar a sociedade, governos e o empresariado no rumo da prevenção e da conservação da natureza?
Os negócios com base no alto consumismo ainda são modelos na política e na economia. Seguem insaciáveis em nome de desejos que falam mais alto, inclusive o da destruição. A Amazônia é reapresentada como laboratório gigante ou o supermercado mundial com ofertas de todos os tipos, uma espécie de “terra nua” da pós-modernidade.
O pesquisador Robin Best, dedicado entre outras causas cientificas, a estudar e a defender a vida dos botos amazônicos, fez do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) o território dos debates, da amostragem, da conversa, dos diálogos com jornalistas. Construiu, em parceria, um ambiente de amorosidade aos botos, de descobertas, de alianças estratégicas e de promoção de outros relatos jornalísticos sob uma espécie submetida à caça e situada na lista dos ameaçados de extinção.
Best chegou ao Inpa em 1976 e em 1980 assumiu a coordenação do Projeto Peixe-boi. Morreu seis anos mais tarde, aos 37 anos, quando fazia doutorado. Deixou vivo o amor de um cientista por esses mamíferos aquáticos, com bons resultados. Nos ensinou, como jornalistas, a ver a importância desses mamíferos no ecossistema. Hoje, no lugar dos encantados, Best chora diante do caminhar humano e da falta de cuidado para reduzir a mortandade d espécies amazônicas. As brincadeiras, a alegria de turistas e o tratamento promovidos pelos botos do Amazonas, na dança da vida em conexão, pouco importam.
Outras iniciativas tentam emendar os fios da teia da vida. Em Órfãos das águas, livro que está na sétima edição (Editora Valer), o sociólogo e jornalista Wilson Nogueira conta a história da amizade entre Cate, menino curioso e aventureiro, e Yawê, filhote de peixe-boi. Ambos são órfãos. Os dois viajam pelo mundo amazônico numa aventura obstinada a sensibilizar humanos quanto a necessidade de valorizar a interdependência das espécies. Cate e Yawê lutam em suas infâncias pelo direito de viver e de garantir que seus filhos possam ter vida em bem-viver. A luta imaginária dos dois ganha urgência nos dias atuais. Estamos morrendo.
As águas abundantes, os banzeiros, os peixes, as árvores e a terra secam, morrem. Falta oxigênio, falta iniciativa para se fazer o que já é do domínio científico e sempre foi do conhecimento tradicional e que se aplicados pode minimizar a ação maléfica do homem como parte da Natureza e também propor atitudes preventivas para minimizar os efeitos desastrosos dos eventos extremos.
A disposição governamental em não adotar a ciência nas ações para enfrentar as mudanças climáticas, segue colidindo e na contramão das experiências comunitárias em lidar com os sinais. Os olhos de governos estão secos, já não lacrimejam diante de botos morrerem sem oxigênio, assim como não choraram diante dos mortos em janeiro de 2021. Retardam a escuta científica, ignoram os sábios da floresta e arrastam todos nós ao extremo dos eventos. Francisco, o santo da fraternidade e do amor desmedido à Natureza, olhai por nós.
Lago de Tefé, onde pesquisadores contaram mais de 100 botos mortos (Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá)
Por Ivânia Vieira