Dos bailes de salão para as bandas de rua, do samba enredo tradicional para questões sociais na avenida, o Carnaval mantém a essência de unir o povo por meio da diversão
Entre confetes e marchinhas, o Carnaval é mais do que uma festa com a cara do Brasil: é um espetáculo em constante metamorfose. A celebração passou de marchas nostálgicas aos “beats” eletrônicos, inseriu questões sociais no samba enredo, e o mais importante, manteve a essência de uma festa alegre capaz de conectar as pessoas.
“Desde que eu me entendo por ser alguém que o Carnaval consegue fazer com que, pelo menos nesse momento, todas as pessoas sejam iguais. No Carnaval parece que todo mundo esquece um pouco isso, se diverte e curte juntos”, afirma o produtor de eventos, Fernando Salignac.
A história de Salignac no Carnaval de Manaus começa no final dos anos 80, no desfile da Escola de Samba Reino Unido da Liberdade. Naquele ano a agremiação se sagrou campeã ao apresentar um enredo sobre “Mãe Zulmira”. Depois disso, ele conta, também participou de desfiles na Aparecida, Vitória Régia e Andanças de Cigano, firmando na capital eventos como bailes infantis e feijoadas.
Para o produtor, as mudanças no Carnaval refletem uma migração dos bailes de salão para as bandas de rua. “Nós tínhamos dois grandes clubes com bailes de salão, o Rio Negro e o Ideal. Tínhamos também o Baile do Havaí, no Tropical Hotel, que encerrou com o fechamento do hotel. Hoje em dia o que realmente impera são as grandes bandas e as festas para adultos”, opinou.
CARNAVAL DO POVO
Saindo dos bailes, o Carnaval virou sinônimo de festa do povo, unindo todas as idades, estilos e tribos em busca de diversão. É o caso da tradicional Banda da Bica, uma das mais famosas bandas carnavalescas da capital amazonense. A Banda da Bica arrasta multidões para as ruas do Centro desde 1987, mantendo viva a imagem do fundador do bar, o português Armando Dias Soares.
“Esse é o meu objetivo, levar à frente para manter a história do meu pai e da Bica vivas na memória de quem já participou do Bar do Armando, quem já frequentou e também em relação à banda”, afirmou a atual dona do bar e filha de Armando, Ana Cláudia Soeiro.
Segundo ela, os preparativos para a Bica começam um mês antes do evento ir pra rua. “Eu vejo desde roupa de boneco, se precisa de restauro, até qual vai ser o tema, quem vai gravar a marchinha, o intervalo entre uma banda e outra. Tudo o que você imaginar eu vejo para a banda, claro que com a ajuda de outras pessoas, mas eu participo de tudo”, disse Ana Cláudia, que também é funcionária pública.
Em 2024, o tema da Bica será “A Bica agora é imortal e vai zoar no Carnaval”. Em outras palavras, a banda comemora ter se tornado Patrimônio Cultural Imaterial do Amazonas. Sobre as questões culturais e políticas ganharem destaque no Carnaval, Ana Cláudia explica que abordar tais aspectos torna a banda diferenciada.
“Para nós impacta diretamente, porque tudo que acontece durante o ano na nossa cidade normalmente vira tema da Bica”, defendeu.
LIBERDADE
Na avaliação da jornalista e porta-estandarte da Bica, Emyle Araújo, é importante que o público se “aproprie” de todos os palcos. Isso significa, segundo ela, falar sobre temas que não eram tratados antigamente, promovendo, além da diversão e alegria, a conscientização dos brincantes.
“Hoje o Salgueiro está falando sobre a questão indígena. Quando, há dez anos, uma escola do maior Carnaval do mundo abriria para ter como enredo uma questão extremamente política e social sobre o que acontece num lugar em que ninguém vê?”, questionou.
Para o Carnaval de 2024, a jornalista acredita que a empolgação do povo será ainda maior que no ano passado devido os reflexos da pandemia de Covid-19. “Acho que esse ano a gente zera e retomaremos o Carnaval sem o pesar, sem o medo ainda muito presente em 2023. Acredito que esse ano precisamos fazer desse Carnaval mais leve, um Carnaval de vida e de liberdade”.
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