Em entrevista exclusiva para A CRÍTICA, Jair Mendes falou sobre inovações que revolucionaram o Festival de Parintins, entre elas a criação do 'Boi Biônico', com movimentos realistas e que permanece como padrão até hoje
Parintins - Jair Mendes, 82 anos, revolucionou o Festival de Parintins aos 30 anos. Em 1978, entrava na arena o boi Garantido com movimentos realistas: os olhos abriam e fechavam, a cauda balançava, as orelhas moviam e a boca mexia. Ganhou o apelido de “Boi Biônico”. Mendes ainda não sabia, mas naquele ano, virou mestre Jair Mendes ao fazer história e conquistar o lugar de maior autoridade artística em Parintins (município distante 369 quilômetros em linha reta de Manaus).
No último dia 12, data em que o boi da Baixa do São José sai pelas ruas de Parintins, entrega rosas às moradoras do bairro e brinca na fogueira em frente às casas, como homenagem a Santo Antônio, mestre Jair completou mais um ano de vida. A mesma vida que deu ao Festival de Parintins e também ao boi Caprichoso, que batizou o galpão de artes com o nome do octogenário. Em entrevista exclusiva para A CRÍTICA, Mendes disse que considera Garantido e Caprichoso como filhos.
“Foi eu que fiz os dois bois. E gosto muito deles. São meus filhos. Ter 82 anos para mim é uma vida que dediquei para começar esse festival folclórico. Em 1978, comecei a fazer o Garantido. E o Caprichoso fiz em 1986. Eu gosto também muito dele, porque colocou o meu nome no galpão. Para mim é uma honra muito grande”, disse mestre Jair Mendes, que antes de ser artista de galpão, aprendeu o ofício de serigrafista no Rio de Janeiro (RJ) e trabalhou com pintura de bolsos de uniformes escolares.
Mendes lembra que naquela época somente os padrinhos do Garantido faziam a função de tripa. “Não era presidente naquele tempo: era padrinho. Para eu dançar, só se fosse padrinho. O primeiro tripa que deixei segue até hoje o (Denildo) Piçanã. Deixei também o primeiro tripa do Caprichoso, o Markinho (Azevedo), infelizmente morreu recente. Eu fui para o Caprichoso para fazer o boi e não queria pois eu era Garantido (risos). Começaram a me queixar (sic) e eu fiz”, disse. “Agora, os dois são perfeitos”, complementou.
A chegada do mestre Jair Mendes no boi Garantido foi por meio do padrinho daquela época, Antônio Maia, pai do ex-compositor Emerson Maia, que morreu aos 66 anos em agosto de 2020. “Ele trazia o Garantido para dançar na casa dele, na avenida Amazonas, e eu ia lá brincar. Naquele tempo pulava em frente às casas. Ele (Antônio) pediu permissão do meu pai (Mair Mendes), para eu pintar o Garantido, que na época era cinza. E foi assim que comecei”, lembrou o mestre.
Não existe um número oficial de alegorias feitas por mestre Jair Mendes, ele próprio calcula mais de 100 ao longo de anos como artista de galpão (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)
Mente Biônica
Mestre Jair lembra que o boi era feito com a cabeça real de um bovino e o dorsal com perna manca (uma calibrosa madeira). Segundo ele, o boi chegava a pesar 30kg. “Era pesado demais. Era a cabeça de boi mesmo e o espinhaço era uma perna manca. Tive a ideia de fazer um boi mais leve. Foi então que saiu em 1978 o ‘boi biônico’, esse foi leve e segue belo até hoje. Foi isso que fez eu me tornar tripa dos dois bois. O Caprichoso também é biônico (risos)”, relembrou.
Boi Garantido (1986) como boi biônico (Foto: Arquivo Paulinho Farias)
O mestre Lindolfo Monteverde (1902 – 1979) chegou a conhecer o boi Garantido, fundado em 1913, com movimentos de um boi real.
“Ele teve a sorte de conhecer o ‘boi biônico’ ainda em vida. O boi que ele fez ainda era o pesado de quase 30kg. Ele (Lindolfo) morreu, mas ainda viu o ‘boi biônico’ nas ruas de Parintins. Ele ficou muito alegre, e depois que viu não saía mais de casa para almoçar e conversar sobre o boi Garantido. Ficou muito feliz”, disse mestre Jair.
Não existe um número oficial de alegorias feitas por mestre Jair Mendes, ele próprio calcula mais de 100 ao longo de anos como artista de galpão. Mendes revelou que no início a equipe dele era composta por dez trabalhadores e as alegorias mediam aproximadamente 4 metros de altura por 3 de largura. Nada comparado com as monumentais alegorias da atualidade, que chegam a quase 20 metros. Ele tem um carinho por duas criações.
“No Garantido foi um Lindolfo (Monteverde), grande e que trouxe o garantido nas palmas das mãos e deixou o boi Garantido no chão da arena há 20 anos. Eu considero no Caprichoso a alegoria de uma lenda amazônica: ‘Acauera de Fogo’, nos anos 90. Um pássaro que veio de cima da arquibancada e pegou um pescador, que era o Markinhos (Azevedo). A ave pegou e levou para o alto. Foi lindo demais”, relembrou mestre Jair. Na lenda do povo que habita o rio Andirá, Acauera é uma ave metade leão e harpia.
Passado e Futuro
Jair Mendes guarda até hoje recortes de edições do Jornal A Crítica como recordação e preservação da memória. Na foto, uma edição do ano de 2022 (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)
Perguntado sobre o que mais sente saudade, mestre Jair enfatizou o nome do ex-apresentador do boi Garantido, Paulinho Farias, o Garotinho de Ouro, que aos 61 anos morreu de covid-19, no dia 22 de fevereiro de 2021. “A saudade que tenho é do Paulo Farias. Ele que começou comigo em 1978, ele estava pequeno, mas já apresentava o boi. A morte dele foi algo muito horrível. Muito forte essa partida. Ele sempre foi um garoto de ouro. Igual a ele não tem”, declarou emocionado mestre Jair.
Na foto estão o mestre Jair, ao lado de Maria do Carmo Monteverde (filha de Lindolfo) e, no canto direito, Paulinho Farias (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)
Sobre a geração futura, Mendes assumiu que sente até ciúmes de tudo o que vê. “Tenho até ciúmes de ver da maneira como está. Tudo muito grande. Enorme. Eu até vejo que não é bom para o boi. Alegoria de 30 metros sem movimento não pode. Alegoria tem que ter movimento. O festival está bem maior. E uma geração criativa”, declarou Jair.
“Tem que ter amor pelo boi, tem que ter criatividade para inovar e não fazer nada repetitivo”, aconselhou o mestre.
Mestre Jair Mendes disse que o lugar preferido dele em Parintins é o Curral do boi Garantido (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)
Por: Robson Adriano / online@acritica.com