Proposta ocorre três semanas após Lula sancionar ampliação de cotas em concursos do serviço público federal
A Mesa Diretora da Câmara Municipal de Manaus (CMM) propôs por meio de um projeto de lei a implementação de um sistema de cotas raciais nos concursos públicos realizados pela casa legislativa. A medida ocorre três semanas após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar uma lei que ampliou de 20% para 30% o número de cotas para pessoas pretas e pardas e estender a indígenas e quilombolas nos concursos públicos federais.
Segundo a proposta da CMM, ficam reservadas 30% do total de vagas oferecidas em cada concurso da casa a pessoas pretas ou pardas conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para indígenas, serão considerados aqueles que se identificam “como parte de uma coletividade indígena e é reconhecida por seus membros como tal”, vivendo ou não em territórios indígenas.
Para quilombolas, serão consideradas as pessoas pertencentes a um grupo étnico-racial, “segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotado de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade preta ou parda”.
A reserva de vagas ocorrerá sempre que o número disponibilizado for igual ou superior a 2. A autodeclaração, facultativa ao candidato, será o critério inicial para enquadra-lo nas cotas previstas pela Lei, mas a identidade deverá ser verificada por meio de heteroidentificação, a qual deverá ser feita pela “entidade contratada para a realização do processo seletivo, com experiência e capacitação em temas raciais e étnicos, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa, conforme legislação pertinente”.
Caso seja detectada a declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso. Se a nomeação já tiver ocorrido, ela será anulada. Candidatos que se inscreverem em vagas das cotas raciais “concorrerão concomitantemente às vagas de ampla concorrência, de acordo com sua classificação geral, podendo ser convocados por esta última caso obtenham nota suficiente”.
O número de vagas para cada um dos perfis das cotas raciais deverá constar nos editais de concursos da CMM e a nomeação deverá observar os critérios de alternância e proporcionalidade, considerando a relação entre o total de vagas e o total reservado para pretos, pardos, indígenas e quilombolas, além de outros grupos previstos na legislação.
Na justificativa, a Mesa Diretora afirma que a implementação das cotas visa “ampliar a representatividade de grupos historicamente discriminados” nos cargos efetivos do Legislativo Municipal. A decisão de incluir as cotas ocorre em meio à anulação do último concurso ocorrido na CMM.
Em novembro, o procurador responsável pelos certames, Silvio da Costa, chegou a ser acusado de racismo pela Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas (OAB-AM) e por entidades do movimento negro após afirmar que a existência de cotas seria discriminatória. A fala ocorreu após o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) pedir a suspensão do concurso devido à ausência de cotas raciais.
Na época, Silvio da Costa respondeu às críticas dos movimentos afirmando que não havia uma lei municipal definindo a necessidade de cotas e que a existência de uma lei federal não era suficiente.
“A alegação do Ministério Público é que eles queriam as cotas para negros, para indígenas e quilombolas, correto? Só que o que acontece, eles firmaram a alegação deles e a ação deles em cima de uma lei federal. Essa lei federal, ao contrário de uma lei nacional, a lei federal é específica para os concursos na área federal. Ela não abrange a área nem estadual nem municipal”, disse.
Federal
Em maio deste ano, o Senado Federal aprovou a prorrogação por mais 10 anos da reserva de vagas em concursos públicos para negros (pretos e pardos) na esfera federal, ampliando-as para 30% do total das vagas e ampliando o direito para indígenas e quilombolas.
O substitutivo (texto alternativo) da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei (PL) 1.958/2021, do senador Paulo Paim (PT-RS), foi aprovado parcialmente. O relator da matéria, senador Humberto Costa (PT-PE), rejeitou as principais mudanças realizadas pela Câmara dos Deputados, como a antecipação da revisão da lei e a dispensa dos processos de heteroidentificação. Foram acatadas apenas as alterações redacionais promovidas.
Serão consideradas pessoas negras aquelas que assim se autodeclararem e apresentarem características que possibilitem seu reconhecimento social como negras. Os editais dos concursos deverão prever processos de confirmação complementar à autodeclaração, observando diretrizes como a padronização de regras em todo o país, a participação de especialistas, o uso de critérios que considerem as características regionais, a garantia de recurso e a exigência de decisão unânime para que o colegiado responsável pela confirmação conclua por atribuição identitária diferente da declaração do candidato.
O substitutivo da Câmara excluía os procedimentos de confirmação complementar, considerando a autodeclaração suficiente. Humberto Costa não concordou com essa modificação e restaurou o texto originalmente aprovado pelo Senado nesse ponto.
Caso a autodeclaração seja indeferida, o candidato ainda poderá disputar as vagas destinadas à ampla concorrência, exceto se houver indícios de fraude ou má-fé, situação em que será excluído do concurso ou, se já tiver sido nomeado para o cargo, terá a sua admissão anulada.
Na discussão da matéria, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) criticou a “exterminação dos pardos” na legislação. Em resposta, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) salientou que a verificação da autodeclaração reduz a possibilidade de distorções na aplicação da lei. Paulo Paim, por sua vez, defendeu o trabalho do Senado e pediu a rejeição de dispositivos de “atraso” incluídos na Câmara.
(Foto: Divulgação)
Por: Lucas dos Santos