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CFCs em Manaus mostram preocupação após retirada da obrigatoriedade de aulas para obtenção de CNH
Resolução aprovada pelo Contran gerou grande repercussão entre os proprietários de Centros de Formação de Condutores (CFCs)
Publicado em 03/12/2025 08:23
Manaus & Municípios

A resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que retira a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), gerou grande repercussão entre os proprietários de Centros de Formação de Condutores (CFCs) de Manaus. A decisão, anunciada na segunda-feira (1º), promete reduzir em até 80% o custo do documento, mas é vista com preocupação por empresários do setor e especialistas ouvidos por A CRÍTICA.

 

A mudança, proposta pelo Ministério dos Transportes e aprovada por unanimidade pelo Contran, entra em vigor assim que for publicada no Diário Oficial da União. O texto prevê maior flexibilidade na preparação do candidato e a possibilidade de estudar por conta própria, realizar curso teórico gratuito e digital, contratar instrutores autônomos credenciados ou ainda recorrer às autoescolas, que deixam de ser obrigatórias. Além disso, o modelo reduz a carga mínima de aulas práticas de 20 horas para apenas duas.

 

Para o diretor-geral de uma autoescola de Manaus, Jeison Taveira, a decisão do Contran é considerada precipitada, já que, segundo ele, uma comissão especial da Câmara dos Deputados já discutia o tema da formação de condutores. Ele afirma que a medida “afronta” o debate legislativo em andamento e acredita que a resolução precisa ser judicializada e revogada assim que for publicada no Diário Oficial.

 

Segundo Taveira, as novas regras podem comprometer a qualidade dos novos condutores e aumentar riscos no trânsito. Ele compara o processo à formação de pilotos de avião, que exige horas práticas e conhecimento técnico rigoroso.

 

“Você imagina uma pessoa achar que tem noção suficiente para pilotar e decidir fazer tudo por conta própria. Ela reprova, gasta mais dinheiro e ainda coloca vidas em risco. No trânsito é a mesma coisa. A autoescola não ensina só para a prova. Muita coisa importante é repassada ali. O trânsito pode ficar ainda mais caótico, porque a cultura do brasileiro é buscar facilidades”, disse.

 

Taveira discorda também do argumento de que o processo ficará mais barato. Ele afirma que, no Amazonas, a categoria A (motocicletas) B (veículos de passeio) custa cerca de R$ 2,6 mil, e que quase R$ 900 desse valor corresponde a taxas obrigatórias que o Estado continuará cobrando, segundo ele, como exame médico, primeira habilitação e Licença de Aprendizagem de Direção Veicular (LADV).

 

Jeison também detalhou os custos para se ter uma autoescola em funcionamento, entre eles o pagamento de instrutores, combustível, manutenção de frota, aluguel, impostos e alvarás. Ele conta que o setor já registra queda na procura desde que o governo anunciou a intenção de alterar as regras. “Estamos há três meses no vermelho. Hoje, o que garante o lucro é a rotatividade, e isso acabou”, disse.

 

Outro proprietário de uma autoescola de Manaus, Marcílio Mendonça, também criticou a resolução aprovada pelo Contran. Ele acredita que a medida tem caráter “eleitoreiro” e pode trazer prejuízos à segurança no trânsito ao reduzir a carga horária prática.

 

“O que não pode é alguém sem experiência achar que, com duas horas de aula, um aluno vai sair dirigindo. Hoje são 20 horas obrigatórias e muitos ainda assim têm dificuldade de passar”, destacou.

 

Marcílio, assim como Jeison, também relatou dificuldades financeiras diante da queda na procura. Ele afirma manter custos elevados para manter a autoescola funcionando, como aluguel de R$ 7 mil, conta de energia de R$ 1,5 mil e folha salarial acima de R$ 40 mil por mês.

 

“O prejuízo já é muito grande. O aluno acredita nas promessas do governo e para de procurar autoescola. Se tudo isso realmente acontecer, eu pretendo mudar de ramo, porque o custo para manter uma escola aberta é muito alto”, disse.

 

Especialista alerta para retrocesso da segurança no trânsito

 

Segundo avaliação do especialista em trânsito Manoel Paiva, a decisão do Contran pode ser um “passo atrás” para o Brasil no enfrentamento aos acidentes de trânsito. Ele afirma que a mudança tem apelo econômico, o que é legítimo, mas ignora a realidade estrutural e cultural do país, que vive hoje um cenário de perda de controle sobre a mobilidade urbana, principalmente nas capitais, entre elas Manaus.

 

Paiva explica que cada vez mais as pessoas estão abandonando o transporte coletivo pela má qualidade do serviço e migrando para o transporte individual, principalmente motocicletas e aplicativos. “Isso aumentou a demanda por habilitação e pressionou o sistema. Só que, em vez de ampliar vagas, qualificação e fiscalização, o país resolveu simplificar o processo”, disse.

 

Paiva também criticou a perda do papel fiscalizador e educativo dos órgãos estaduais de trânsito ao longo dos anos. Ele explica que a nova medida pode facilitar o acesso à CNH para milhões de pessoas, mas sem contrapartidas de segurança. Segundo o especialista, a medida deveria vir acompanhada de ações estruturais.

 

“Isso não pode ser visto só como uma questão financeira. A segurança viária depende de infraestrutura, sinalização, fiscalização e educação. Não existe consciência coletiva sem fiscalização. O governo poderia articular parcerias para levar formação de qualidade ao interior, criar escolas públicas de trânsito nos municípios, treinar mototaxistas, entregadores e novos condutores. Sem isso, estamos caminhando na direção contrária ao que o mundo busca: reduzir mortes. Aqui, parece que queremos apenas reduzir custos”, avaliou Paiva.

 

O especialista em trânsito citou ainda números recentes da violência no trânsito especificamente em Manaus para exemplificar o risco. Para Manoel, a resolução aprovada é uma medida que favorece o acesso a milhões de pessoas que precisam da habilitação para trabalhar, mas que fragiliza a segurança para esses mesmos trabalhadores.

 

“Manaus registrou 309 mortes no trânsito no ano passado, o maior número dos últimos 25 anos. Só até o dia 2 deste mês já são 222 mortes. E ainda há subnotificação, porque muitos casos atendidos na rede privada nem entram nas estatísticas oficiais”, destacou.

 

Por outro lado, o Ministério dos Transportes afirmou que a reformulação das regras para a obtenção da CNH “moderniza o sistema e amplia o acesso ao documento”. O ministro da pasta, Renan Filho, defendeu que a medida segue modelos adotados nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, onde o foco é a avaliação e não a quantidade de aulas.

 

(Foto: Reprodução)

Fonte: Amariles Gama/acritica.com

 

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