Apesar de haver 2,8 mil pessoas autodeclaradas quilombolas no Amazonas segundo o Censo 2022, o estado não possui nenhum território que tenha atingido o status de titulação, quando a terra é oficialmente reconhecida e o território é entregue a seus moradores, que recebem um título coletivo. De acordo com Sebastião Douglas, representante do estado na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), somente agora os territórios estão avançando junto ao estado para conseguir a posse das terras.
“A gente está encaminhando agora, juntamente com a PGE [Procuradoria-Geral do Estado] e com a Câmara dos Deputados para que possam votar ainda neste ano uma lei para que o estado possa doar as terras para o Incra [Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária] analisar e titular as terras para os quilombolas, tanto o quilombo de Serpa, quanto o quilombo Andirá”, disse.
Segundo o coordenador, as terras estão localizados em dois municípios: o território e comunidade Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa em Itacoatiara e a Terra Quilombola Rio Andirá, em Barreirinha. Segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo, esse território engloba as comunidades Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Santa Fé, Tereza do Matupiri e Trindade. Ambas constam como não tituladas, embora seus processos de reconhecimento datem de 2013 e 2015.
“Estamos avançando agora com o governo federal, onde a gente está assinando agora o ACT [acordo de cooperação técnica] para fazer o georreferenciamento do [território quilombola] Tambor, que fica em Novo Airão, já para ser titulado”, disse.
Questionado se o Quilombo de São Benedito, localizado no bairro Praça 14 de Janeiro, zona Sul de Manaus, não contaria como um território quilombola reconhecido, Sebastião Douglas afirmou que a comunidade não reivindicou o território de forma coletiva, embora sejam quilombolas.
“O governo federal só trabalha com territórios coletivos. O São Benedito quer territórios individuais. Cada família quer uma parte do título, aí o governo federal não trabalha com títulos individuais, só com territórios coletivos. O decreto 4.487 fala sobre isso. Pela normativa, é muito difícil conseguir territórios individuais, tanto na cidade quanto no interior”, explicou.
Subnotificação
O representante amazonense do Conaq informou que o grupo finalizou um estudo junto ao Instituto Socioambiental (ISA) que verifica a existência de territórios quilombolas em todo o bioma amazônico, detalhando seus avanços e políticas públicas destinadas a essa população. Segundo os dados, o Amazonas é um dos últimos estados a reconhecer quilombos em todo o país.
“Até hoje, a política está avançando apenas em Barreirinha, porque tem uma população maior e o pessoal briga bastante. É onde está se avançando a educação escolar quilombola também, onde teve ajuda da nacional para pressionando o município para que aceite essa questão. É muito ruim falar de quilombola no Amazonas, porque a questão negra já é difícil. Imagine ser preto quilombola no interior, é muito mais complicado”, disse.
No final de outubro, o ISA e o Conaq divulgaram uma nota técnica no qual identificaram 632 territórios quilombolas em toda a Amazônia, número 280% do que o registrado pelo Incra. Juntos, esses 632 territórios somam mais de 3,6 milhões de hectares, 88% a mais que os dados espaciais do órgão e o equivalente ao estado de Alagoas.
O Amazonas, inclusive, é o segundo maior estado em extensão de territórios quilombolas no estudo: 753,4 mil hectares, ou 20% do total, ficando atrás apenas do Pará com 1,4 milhão de hectares (40% de tudo). Um mapa interativo com os dados foi apresentado nessa terça-feira (18) durante um painel na Zona Azul da 30ª Conferência das Partes (COP30), em Belém.
No total, foram identificados 2.494 “quilombos” ou comunidades quilombolas, sendo 287 não registrados em nenhuma base pública. Segundo a metodologia usada, os quilombos são indicados no mapa com um ponto, compreendendo áreas de habitação, agricultura, extrativismo, pesca etc.
Já o território quilombola reúne um ou mais quilombos, tem um perímetro definido por algum procedimento oficial ou mapeamento autônomo dos quilombolas e é representado por um polígono. O estudo combinou fontes de dados governamentais do Incra, Fundação Cultural Palmares (FCP), Cadastro Ambiental Rural (CAR), órgãos fundiários estaduais e mapeamentos autônomos.
(Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)
Por: Lucas dos Santos